A industrialização e a oposição do movimento Arts and Crafts

Texto escrito por Elizabeth Soares













Durante o século XVIII na Europa havia uma grande presença de artesãos e várias oficinas de manufatura para a produção de produtos. Essa produção era lenta e manual, deixando marcas de qualidade, entretanto, sempre propensa a erros humanos e a custos mais elevados na confecção devido à demora.
A elaboração desses produtos era realizada manualmente do início até o fim: desde a extração da matéria prima, passando pela preparação, produção em si e venda. O local de trabalho eram as próprias casas e não existam chefes nem empregados, cada um escolhia seu tempo, sua quantidade e seu ritmo. Às vezes alguns se juntavam, formavam grupos e dividiam suas tarefas para facilitar, mas a maioria das produções eram feitas à mão e todos conheciam todas as etapas do processo. Existia um acordo entre as oficinas para que padronizassem os valores entre elas, pois, para eles, não existia a ideia de gerar concorrência, uma vez que o objetivo era que todos pudessem lucrar e atender as demandas da região. Tudo era muito simples, muito pequeno e manual, com exceção de raros usos de pequenas máquinas.
Ainda no século XVIII, empresários começaram a enxergar com ambição uma nova maneira para arrecadar mais lucro. Desde a chegada de grandes tecnologias, começaram a substituir alguns trabalhadores por máquinas e acelerar os processos.
Berço da primeira revolução industrial, a Inglaterra foi o maior palco para toda a industrialização, principalmente por estar em um local estratégico para exportação de materiais e retirada dos mesmos. A burguesia estava cada vez mais influente e sua riqueza aumentava ainda mais por consequência da grande produtividade dada a partir da revolução. As marcas podem ser vistas em outros lugares da Europa em que começara esse tipo de produção cedo, mas a Inglaterra é o grande destaque, pois deu um passo enorme no avanço tecnológico industrial.
O início foi feito com a implantação de máquinas para serem operadas pelos proletários. Depois, houve a inserção de máquinas automáticas e muitos trabalhadores acabaram sendo demitidos. Aqueles que continuaram no emprego, tiveram uma aceleração e aumento na carga horária. Os artificies trabalhavam a partir de então durante 16 horas por dia, sem parar ou sem qualquer direito como férias ou salários dignos, em outras palavras, uma qualidade de trabalho péssima com um ritmo de trabalho rígido que, consequentemente, afetava na sua vida social e pessoal a longo prazo. "Não há como duvidar que a industrialização era percebida por muitos como uma ameaça ao bem-estar comum." (Cardoso, 2008, p. 76)
Mesmo com algumas resistências à aceitação da troca do manual para o mecânico, os artesãos não tinham mais escolha. Os preços dos produtos industrializados eram muito mais baixos e os consumidores sempre os preferiam. Assim, o mercado para artesãos quase não existia, não havia público alvo e eles não tinham como concorrer naquele cenário capitalista.
Varíola, febre tifoide, tuberculose, diarreia e gripe: esses foram alguns dos problemas causados na classe baixa, a classe predominantemente trabalhadora. Tudo isso ocasionado pelo ambiente de trabalho em péssimas condições sanitárias em que os mesmos eram submetidos, sem mencionar outras doenças ocasionadas por esforço repetitivo. Além disso, algumas máquinas eram desprotegidas e acabavam provocando acidentes que, em casos extremos, levavam àquele que a manuseava a óbito. Não é sem razão que o período da Revolução Industrial é estimado como o de menor índice de qualidade de vida da população trabalhadora. Rafael Cardoso (2008, p. 76) já disse em um dos seus livros que "É comum encontrar (...) denúncias da brutalidade do industrialismo por explorar o trabalhador, destruir a paisagem natural e reduzir a vida social”.
Uma das expressões mais utilizadas para caracterizar esse período é “tempo é dinheiro”, que reflete a importância do tempo através da velocidade. A cada minuto a mais, pode-se produzir algo; quanto mais se produz, mais se consome; quanto mais se consome, mais lucro existe. Como menciona o autor Rafael Cardoso (2008, p. 27) no livro Uma introdução ao estudo do Design, "Pela primeira vez na história, já não era mais paradoxal sugerir que quanto maior a produção, mais seria o consumo". Portanto, pode-se entender o quanto a maior produtividade era necessária. Dessa forma, era imposto ao trabalhador uma rigidez muito grande por meio da organização da fábrica, que era disposta e pensada para que o operário produzisse incansavelmente mais.
            Durante o século XIX, houve uma reorganização e racionalização na produção, divisão e distribuição dos trabalhos nas fábricas. Podemos destacar as pesquisas de Frederick W. Taylor, que criou o método de produção chamado Taylorismo, inspirado em seu próprio nome, que visava extrair a máxima produção e rendimento com o menor tempo. Para isso, era preciso fazer uma análise dos processos produtivos para que pudesse aperfeiçoar os movimentos dos trabalhadores, com um controle da linha de produção.
"Eficiência máxima da produção através do planejamento do tempo e dos movimentos envolvidos na execução de tarefas específicas. Nessas suas manifestações primitivas, a ergonomia surgia não para melhorar a vida do trabalhador, mas para espremer dele uma maior produtividade.". (Cardoso, 2008, p. 43)
Com a asceção de máquinas e exclusão dos artefatos manuais, foi perceptível uma diferença nas produções feitas pelas indústrias. É fato que um produto feito por um artesão manualmente, pensado etapa por etapa, e um produto feito por uma máquina industrialmente são extremamente diferentes. No primeiro caso, tínhamos produtos de grande qualidade, tendo todos os cuidados e detalhes feitos cuidadosamente à mão, porém, com margem de lucro empresarial baixa, afinal, para que fossem feitos, o tempo era grande e a mão de obra relativamente alta. No segundo caso, os produtos eram feitos em grande quantidade, os trabalhadores foram substituídos, quase que totalmente, por máquinas e aqueles que não foram substituídos eram exigidos de maneira grande para acompanhar a grande produção, não havia um cuidado em cada peça e os detalhes já não eram mais importantes.
Os empresários estavam satisfeitos com os seus negócios que iam melhores que nunca, mas nem os desfrutavam desses benefícios. Surgiram algumas reivindicações por parte da nova classe formada pelos operários das indústrias, elas visavam denunciar os donos das empresas que os exploravam e alcançar mais direitos e melhores condições no ambiente do trabalho. Tudo era muito difícil de conseguir solicitando diretamente ao governo, pois grande parte das indústrias era do próprio governo, então os operários fizeram várias revoltas e manifestações. Todavia o a forma em que os funcionários eram mal tratados não era a única coisa que os incomodava, havia, também, pessoas insatisfeitas com os produtos feitos de forma mecânica nas indústrias e defensores dos artesãos e artefatos produzidos manualmente.
A partir dessa insatisfação, surgiu o movimento Arts and Crafts, inspirados nas ideias de John Ruskin e Augustus W. Northmore Pugin. Esse foi um movimento estético que foi apoiado por vários teóricos e artistas que eram contra a mecanização dos processos e da distinção entre artesão, artista e do próprio operário, a ideia era que todos se tornassem um só. "Arte e ofícios", como seria traduzido para português, se referem a arte das produções em si e o processo mais técnico e mercadológico. Essas duas relações podem ser consideradas o que significa "design", no geral, a junção de arte e técnica. Certamente essa seria uma definição muito vaga para o significado de design, mas, querendo ou não, com certeza foi uma grande referência no que ele é conhecido hoje em dia. O design não foi o único a ser influenciado pelo movimento Arts and crafts, como também o movimento francês art nouveau - movimento ligado à arquitetura e decoração - e da própria escola Bauhaus.
O maior percursor do Arts and Crafts foi William Morris. Ele, nascido em 1934, no Reino Unido, foi um designer têxtil, poeta, romancista, tradutor e ativista socialista inglês, um grande nome no design em geral, porém, mais precisamente na tipografia, uma de suas principais áreas de atuação, além de artes visuais, desenho industrial e na arquitetura.
"John Ruskin, William Morris e seus seguidores (...) expandiram sua equação de valores estéticos e éticos para uma condenação total da indústria e seus produtos, apontando para o custo humano e sacrifício envolvidos(...).".  (Heskett, 1998, p. 20)
Ele acreditava que a qualidade do trabalho manual anteriormente desenvolvido pelos artesãos era bem superior ao trabalho realizado hoje pelas máquinas das indústrias. Por isso, Morris produzia suas ideias no modo tradicional. Ele já trabalhava individualmente, mas começou a montar alguns empreendimentos.
Em 1861, criou sua primeira firma de produção de objetos decorativos e utilitários. O diferencial dele estava no fato de estar presente em todas as etapas dos processos de produção do seus produtos; como designer, ele não estava preocupado em apenas dar a ideia, criar e desenhar.
"A firma de Morris nunca foi apenas um escritório de design, gerando projetos para outras empresas ou pessoas jurídicas; antes envolvia-se em todas as etapas desde o projeto até a venda para o cliente individual, passando pelos processos de fabricação. (...) A firma concentrava-se na qualidade e não na quantidade de sua produção.". (Cardoso, 2008, p. 81)
Diferentemente da Industrialização, que tinha como característica a separação do design e do processo de fabricação, Morris se importava com os processos, pois queria acompanhar e garantir a boa qualidade e finalização dos seus produtos, tradicionalmente. Por isso, a produção não era feita tão rapidamente como nas indústrias, o produto demorava a ser confeccionado. A sua firma estava ligada justamente ao que Morris tanto acreditava e pregava no Arts and Crafts: a qualidade é superior à quantidade. Consequentemente, com isso, os preços dos seus produtos eram maiores que os outros, já que o processo era mais demorado e feito de forma mais cuidadosa, mas Morris supunha que os consumidores que desejavam uma qualidade superior estavam dispostos a pagar uma quantia maior por um resultado melhor.
Podemos dizer que o Arts and Crafts foi um movimento de "contracultura", uma vez que não concordava com os ideais capitalistas de produtividade e lucro ao passo que lutava por uma retomada de valores visando o bem comum e uma economia sustentável.  A ideia era tornar os operários nos próprios artistas, para que, assim, fosse possível uma arte feita do povo para o povo. Dessa forma, eles contrariavam a exigência exacerbada sofrida pelos trabalhadores das indústrias, que tiravam a qualidade de vida dos mesmos, e dos detalhes da grande produção que era feita. A junção desses dois fatores era equivalente a um melhor produto. Era como se a qualidade de vida do trabalhador fosse equivalente para a qualidade do produto. Sendo assim, a produção acelerada e frenética na industrialização diminuía o bem-estar do trabalhador e, além disso, a qualidade do próprio produto. Assim como relata Heskett (1998, p. 79): “Derivando de Ruskin a idéia de que a qualidade do objeto fabricado deveria refletir tanto a unidade de projeto e execução quanto o bem-estar do trabalhador”.
            Para que a produção em grande escala fosse feita, os objetos eram padronizados e reproduzidos de forma idêntica para o mercado. Quando falamos sobre a produção manual, ou menos mecanizada, defendida pelo Arts and Crafts e seus precursores, vemos exatamente o contrário disso: os produtos eram únicos, feitos individualmente e com marcas manuais, ninguém mais teria um produto idêntico ao seu. Assim, levando um conceito de personalidade e originalidade, além de um valor estético, uma característica que, de acordo com os ideais do movimento dita por John Herskett, não há possibilidade de que produtos industriais tenham.
É possível vermos as especificações entre manual e industrial ainda hoje, mesmo que sob novas óticas e com algumas diferenças. Hoje o mercado está dominado pelo viés industrial e há quem enxergue o processo artesanal como algo apenas artístico e/ou decorativo. No meio industrial, os produtos não têm uma grande qualidade (propositalmente, com a obsolecência programada) e nem é rico em detalhes como no processo manufaturado, que faz com que cada peça seja única, ao contrário, padroniza as criações. Todavia, o processo manual ainda existe e é bastante respeitado por pessoas que prezam pela qualidade do produto e não simplesmente pelo valor, afinal, as máquinas do início da industrialização não conseguiram e nem mesmo as mais avançadas tecnologias hodiernas conseguirão produzir algo com tamanha qualidade estética e característica artesanal.


Referências

Cardoso, Rafael. Uma introdução à história do design. 3ª edição. São Paulo, 2008.
Heskett, Jogn. Desenho Industrial. Brasília: José Olympio, 1998.
Resumo - Revolução Industrial. Só História. Disponível em: <https://www.sohistoria.com.br/resumos/revolucaoindustrial.php>. Acesso em: 23 nov. 2018.
William Morris (1834-1896). Tipógrafos. Disponível em: <http://tipografos.net/designers/morris.html>. Acesso em: 23 nov. 2018.
Movimento operário no século XIX. Mundo educação. Disponível em: <https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/historiageral/movimento-operario-no-seculo-xix.htm>. Acesso em: 23 nov. 2018.
Arts and Crafts. Enciclopédia Itaú Cultural. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo4986/arts-and-crafts>. Acesso em: 23 nov. 2018.
Industrialização. Wikipédia. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Industrializa%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 23 nov. 2018.
Taylorismo. Wikipédia. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Taylorismo>. Acesso em: 30 nov. 2018.
Revolução Industrial (1 de 5): Artesanato, Manufatura e Indústria. Imago História. Disponível em: <https://imagohistoria.blogspot.com/2009/05/revolucao-industrial-1-de-3.html>. Acesso em: 30 nov. 2018.
O mundo antes da revolução industrial. Click Estudante. Disponível em: <https://www.clickestudante.com/o-mundo-antes-da-revolucao-industrial.html>. Acesso em: 30 nov. 2018.
William Morris galery movimento arts and crafts. Canal Londres. Disponível em: <https://www.canallondres.tv/william-morris-gallery-arts-and-crafts/>. Acesso em: 30 nov. 2018.


Ficha técnica

Texto desenvolvido por Elizabeth Soares Ferreira sob a orientação do Prof. Dr. Rodrigo Boufleur, para a disciplina Introdução ao Estudo do Design. O texto colabora com o projeto de extensão “Blog Estudos sobre Design” (http://estudossobredesign.blogspot.com) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Departamento de Artes - Bacharelado em Design - Novembro de 2018.